Zé Cláudio: um novo Chico Mendes? |
O dia 24 de maio de 2011 deverá ser lembrado para sempre na
história do Brasil. Infelizmente, não como uma data especial, de conquistas
para o futuro democrático e mais igualitário do país. Pelo contrário. A memória
e os livros de história deverão sempre remeter a esta fatídica terça-feira como
um momento de luto absoluto. Afinal, se, pela manhã, a pátria tupiniquim
conheceu o seu mais novo Chico Mendes com os brutais assassinatos do ativista
ambiental e coletor de castanha, José Cláudio Ribeiro da Silva, e de sua
mulher, Maria do Espírito Santo da Silva, à noite foi a vez do conforto da
Câmara dos Deputados votar a favor da destruição da floresta embrulhada sob a
forma de relatório do neoruralista Aldo Rebelo (PCdoB/SP).
Hoje cedo, uma emboscada tirou a vida de um dos principais defensores da Floresta Amazônica. Zé Claudio, como era conhecido, voltava para casa com sua mulher no Pará. Tal Chico Mendes, ele também denunciava o corte ilegal de madeira e recebia inúmeras ameaças de morte. O governo nunca ligou, a polícia tampouco. Nesta terça, sua morte foi capa do britânico The Guardian, que relatou a luta ao mesmo tempo silenciosa (ao menos para a imensa maioria da população nacional) e em alto e bom som deste homem que tinha um único interesse: proteger o que o ser humano, por natureza, não tem o direito de destruir.
De noite, a milhares quilômetros do Pará, outro crime contra a humanidade foi praticado, este amplamente noticiado em tempo real pelos veículos de comunicação e membros da sociedade civil: a aprovação acachapante da reforma desleal de uma das legislações ambientais mais rigorosas e importantes de todo o planeta. Em Brasília, no Congresso Nacional, após uma sucessão de guerras verbais, bravatas e confusões nas últimas semanas, 410 deputados federais disseram sim ao projeto da bancada ruralista, que não beneficia a ninguém – a não ser a eles próprios e seus pares, senhores do agronegócio. Os pequenos produtores, o MST, a Via Campesina, até a Contag, estes são contra, assim como bravos 63 deputados.
O retrato do que aconteceu nesta terça-feira é simples e todos conhecem: Cândido Vaccarezza, líder do governo, e Paulo Teixeira, líder do PT, disseram que não concordavam com relatório do Aldo, mas confirmaram que o partido da presidente votaria a favor do relatório (vergonha moral, diga-se de passagem); a tentativa firme, embora frustrada, do PSOL e do PV de anular a votação; o apoio quase em uníssono para o fim da Reserva Legal em propriedades com até quatro módulos fiscais e a anistia a desmatadores (o que ainda pode mudar, pois a emenda 164, que passa aos estados a responsabilidade de definir ocupação consolidada em Áreas de Preservação Permanente, será votada – e o PT afirma que será contrário. Mas, a esta altura do campeonato e com tantas decepções, por que acreditar?).
A decisão dos deputados, escolhidos por nós, população brasileira, mancha a história e pune o futuro. O desmatamento vai multiplicar, e agora será praticamente legalizado; a biodiversidade se verá amplamente afetada; e o Brasil não conseguirá atingir as metas de redução nas emissões de carbono prometidas em plena COP-15, na Dinamarca. Mas não é só. As tragédias naturais ganharão proporções geométricas, enquanto a falta de água se espalhará para todas as regiões. O preço é muito alto, e querendo ou não, teremos que pagar.
Pouco importa se estamos em pleno Ano Internacional das Florestas, cunhado pelas Nações Unidas, ou se a Semana Nacional da Mata Atlântica começa amanhã. Também de nada vale a proximidade do Dia Mundial do Meio Ambiente ou os preparativos para a Rio+20, quando veremos quais acordos da Rio 92 foram ou não cumpridos. Para o benefício imediato de alguns, vale tudo. E sabe quem encheu os pulmões para dizer isto? Eu e você, nas últimas eleições.
Que o luto de hoje não se restrinja aos três dias e à bandeira erguida a meio mastro. As conseqüências, de tão graves, pedem muito mais.
Fonte: Instituto Terra
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