Ives Gandra da Silva Martins, advogado, professor
emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército e da Escola Superior de Guerra e presidente do Conselho Superior de
Direito da Fecomércio, escreveu o artigo a seguir transcrito abordando a
polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a chamada união
homoafetiva:
Penso que o ativismo judicial fere o equilíbrio dos Poderes e
torna o Judiciário o mais relevante, substituindo aquele que reflete a vontade
da nação.
Escrevo este artigo com profundo desconforto, levando-se em
consideração a admiração que tenho pelos ministros do Supremo Tribunal Federal
brasileiro, alguns com sólida obra doutrinária e renome internacional.
Sinto-me, todavia, na obrigação, como velho advogado, de manifestar meu
desencanto com a sua crescente atuação como legisladores e constituintes, e não
como julgadores. À luz da denominada "interpretação conforme", estão
conformando a Constituição Federal à sua imagem e semelhança, e não àquela que o
povo desenhou por meio de seus representantes. Participei, a convite dos
constituintes, de audiências públicas e mantive permanentes contatos com muitos
deles, inclusive com o relator, senador Bernardo Cabral, e com o presidente,
deputado Ulysses Guimarães. Lembro-me que a ideia inicial, alterada na
undécima hora, era a de adoção do regime parlamentar. Por tal razão, apesar de
o decreto-lei ser execrado pela Constituinte, a medida provisória, copiada do
regime parlamentar italiano, foi adotada.
Por outro lado, a fim de não permitir que o Judiciário se
transformasse em legislador positivo, foi determinado que, na ação de
inconstitucionalidade por omissão (art. 103, parágrafo 2º), uma vez declarada a
omissão do Congresso, o STF comunicasse ao Parlamento o descumprimento de sua
função constitucional, sem, entretanto, fixar prazo para produzir a norma e sem
sanção se não a produzisse. Negou-se, assim, ao Poder Judiciário, a competência
para legislar. Nesse aspecto, para fortalecer mais o Legislativo, deu-lhe o
constituinte o poder de sustar qualquer decisão do Judiciário ou do Executivo
que ferisse sua competência. No que diz respeito à família, capaz de gerar
prole, discutiu-se se seria ou não necessário incluir o seu conceito no texto
supremo -entidade constituída pela união de um homem e de uma mulher e seus
descendentes (art. 226, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º)-, e os próprios
constituintes, nos debates, inclusive o relator, entenderam que era relevante
fazê-lo, para evitar qualquer outra interpretação, como a de que o conceito
pudesse abranger a união homossexual. Aos pares de mesmo sexo não se excluiu
nenhum direito, mas, decididamente, sua união não era -para os constituintes-
uma família. Aliás, idêntica questão foi colocada à Corte Constitucional da
França, em 27/1/2011, que houve por bem declarar que cabe ao Legislativo, se
desejar mudar a legislação, fazê-lo, mas nunca ao Judiciário legislar sobre
uniões homossexuais, pois a relação entre um homem e uma mulher, capaz de
gerar filhos, é diferente daquela entre dois homens ou duas mulheres, incapaz
de gerar descendentes, que compõem a entidade familiar. Este ativismo
judicial, que fez com que a Suprema Corte substituísse o Poder Legislativo,
eleito por 130 milhões de brasileiros -e não por um homem só-, é que entendo
estar ferindo o equilíbrio dos Poderes e tornando o Judiciário o mais relevante
dos três, com força para legislar, substituindo o único Poder que reflete a
vontade da totalidade da nação, pois nele situação e oposição estão
representadas. Sei que a crítica que ora faço poderá, inclusive, indispor-me
com os magistrados que a compõem. Mas, há momentos em que, para um velho
professor de 76 anos, estar de bem com as suas convicções, defender a
democracia e o Estado de Direito, em todos os seus aspectos, é mais importante
do que ser politicamente correto. Sinto-me como o personagem de Eça, em "A
Ilustre Casa de Ramires", quando perdeu as graças do monarca:
"Prefiro estar bem com Deus e a minha consciência, embora mal com o rei e
com o reino".
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não saia do Blog sem deixar seu comentário