- Nem sempre é necessário que o blogueiro
escreva alguma coisa para expor o que pensa sobre determinado tema, porque
alguém acaba falando ou escrevendo sobre o que ele pensa. Isso aconteceu hoje
em artigo com o título acima, de autoria do advogado e antigo militante
político Marcello Cerqueira publicado no jornal 'O Globo' e também no portal
do PPS - Partido Popular Socialista. Vale a
pena ler, pois o tema é bastante atual:
Na Constituinte, a Comissão de
Sistematização acolhe a proposta do saudoso professor Afonso Arinos de ajustar
a ordenanza do direito italiano ao sistema semiparlamentarista que se estava a
criar, e que se chamaria "medida provisória". No Plenário, entretanto,
tenebrosas transações empurraram para a vala comum do esquecimento o novo
sistema e reproduziu-se o imperial regime presidencialista, mas mantendo, então
como contrabando, o descaminho da "medida provisória".
O
"instrumento", desconhecido em qualquer país de sistema
presidencialista, desorganizou o já combalido Congresso Nacional, mero
carimbador de decisões do governo. A acachapante "base aliada"
congressual quase sempre se limita a negociar a liberação de suas paroquiais
emendas ao orçamento em troca miúda para votar questões pontuais de interesse
do governo.
Ainda sem política, a oposição perde no parlamento e recorre, como se fosse um
terceiro turno, aos largos poderes de que o Supremo Tribunal Federal dispõe e o
empurra à tal novidade que atende pelo nome de "judicialização", na
esperança de que o acaso lhe proporcione a poderosa caneta de um
ministro-relator que lhe defira o pedido.
A transmissão ao vivo das sessões do Supremo - sem precedentes em qualquer país
- atrai, cada vez mais, um número maior de espectadores, e, se o caso é de
grande repercussão, então organizam-se torcidas, e o poder da Corte se agiganta
na midiática força que a TV impulsiona. Seus ministros são reconhecidos onde
vão e a notoriedade incomoda os mais circunspetos.
Nesse quadro de responsabilidades agravadas, é que a nomeação de um novo
ministro da Alta Corte se reveste de tal importância que levou a presidente
naturalmente a gastar seis meses para nomear uma nova "caneta". Pode
acertar ou não. Desta vez acertou em cheio.
O professor Luís Roberto Barroso não apenas está a altura de seus pares, como
na Corte vai cooperar - não confrontar - com seu pensamento amadurecido na
advocacia, na docência e na contribuição que seus livros aportam ao direito.
Na
sabatina a que se submeteu no Senado disse logo ao que vem: "
Filosoficamente , eis o meu credo: creio no bem, na justiça e na
tolerância."
Tem razão: é o social e a compaixão que qualificam o direito.
A tormentosa questão da "judicialização" é por ele bem enfrentada:
"Se há lei, o STF só deve invalidá-la se a afronta à Constituição for
inequívoca. Se não há lei, o Judiciário não pode deixar de decidir a questão
alegando omissão normativa. Nesse caso, o seu poder se expande. Portanto, no
fundo no fundo, quem tem o poder sobre o maior ou menor grau de judicialização
é o Congresso: quando ele atua, ela diminui; e vice-versa."
Sigo com o avançado pensamento do ministro: "O Estado democrático de
direito significa o ponto de equilíbrio entre o governo da maioria, o respeito
às regras do jogo democrático e a promoção dos direitos fundamentais.
Naturalmente, se em uma sala houver seis cristãos e três muçulmanos, os
cristãos não podem deliberar jogar os muçulmanos pela janela. A maioria pode
muito, mas não pode tudo."
O ministro é capaz de fazer a leitura democrática da lei, não se deixando
influenciar por esquemas doutrinários em moda, pressões ou por instâncias do
poder político. Cada decisão - disse um notável juiz - é uma escolha dramática:
saberá fazê-la. A decisão do magistrado vai revelar a consciência da
multifacetada sociedade em que vivemos.
Tenho a convicção de que a Nação pode confiar em seu novo juiz.
- Um pequeno detalhe:
Marcello Cerqueira sempre foi esquerdista, e o PPS, também é.