Corregedora do CNJ: É comum
a troca de favores entre magistrados e políticos
Em entrevista a 'Veja', a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, mostra o porquê de sua fama. Ela diz que o
Judiciário está contaminado pela politicagem miúda, o que faz com que juízes
produzam decisões sob medida para atender aos interesses dos políticos, que,
por sua vez, são os patrocinadores das indicações dos ministros:
Por que nos últimos anos pipocaram tantas denúncias de corrupção
no Judiciário?
Durante anos, ninguém tomou conta dos juízes, pouco se fiscalizou.
A corrupção começa embaixo. Não é incomum um desembargador corrupto usar o juiz
de primeira instância como escudo para suas ações. Ele telefona para o juiz e
lhe pede uma liminar, um habeas corpus ou uma sentença. Os juízes que se sujeitam a isso são candidatos
naturais a futuras promoções. Os que se negam a fazer esse tipo de coisa, os
corretos, ficam onde estão.
A senhora quer dizer que a ascensão funcional na magistratura
depende dessa troca de favores?
O ideal seria que as promoções acontecessem por mérito. Hoje é a política
que define o preenchimento de vagas nos tribunais superiores, por exemplo. Os
piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o
despreparado, não cria problema com ninguém porque sabe que num embate ele
levará a pior. Esse chegará ao topo do Judiciário.
Esse problema atinge também os tribunais superiores, onde as
nomeações são feitas pelo presidente da República?
Estamos falando de outra questão muito séria. É como o braço
político se infiltra no Poder Judiciário. Recentemente, para atender a um
pedido político, o STJ chegou à conclusão de que denúncia anônima não pode ser
considerada pelo tribunal.
A tese que a senhora critica foi usada pelo ministro Cesar Asfor
Rocha para trancar a Operação Castelo de Areia, que investigou pagamentos da
empreiteira Camargo Corrêa a vários políticos.
É uma tese equivocada, que serve muito bem a interesses políticos.
O STJ chegou à conclusão de que se denúncia anônima não pode ser considerada
pelo tribunal. De fato, uma simples carta apócrifa não deve ser considerada.
Mas, se a Polícia Federal recebe a denúncia, investiga e vê que é verdadeira, e
a investigação chega ao tribunal com todas as provas, você vai desconsiderar?
Tem cabimento isso? Não tem. A denúncia anônima só vale quando o denunciado é
um traficante? Há
uma mistura e uma intimidade indecente com o poder.
Existe
essa relação de subserviência da Justiça ao mundo da política?
Para ascender
na carreira, o juiz precisa dos políticos. Nos tribunais superiores, o critério
é única e exclusivamente político.
Mas a
senhora, como todos os demais ministros, chegou ao STJ por meio desse
mecanismo.
Certa vez me perguntaram se eu tinha padrinhos políticos. Eu
disse: “Claro, se não tivesse, não estaria aqui”. Eu sou fruto de um sistema.
Para entrar num tribunal como o STJ, seu nome tem de primeiro passar pelo crivo
dos ministros, depois do presidente da República e ainda do Senado. O ministro escolhido sai devendo a todo mundo.
No
caso da senhora, alguém já tentou cobrar a fatura depois?
Nunca. Eles têm medo desse meu jeito. Eu não sou a única rebelde
nesse sistema, mas sou uma rebelde que fala. Há colegas que, quando chegam para
montar o gabinete, não têm o direito de escolher um assessor sequer, porque já
está tudo preenchido por indicação política.
Há um assunto tabu na Justiça que é a atuação de advogados que
também são filhos ou parentes de ministros. Como a senhora observa essa
prática?
Infelizmente, é uma realidade, que inclusive já denunciei no
STJ. Mas a gente sabe que continua e não tem regra para coibir. É um problema
muito sério. Eles vendem a imagem dos ministros. Dizem que têm trânsito na
corte e exibem isso a seus clientes.
E
como resolver esse problema?
Não há lei que resolva isso. É falta de caráter. Esses filhos de
ministros tinham de ter estofo moral para saber disso. Normalmente, eles nem
sequer fazem uma sustentação oral no tribunal. De modo geral, eles não botam
procuração nos autos, não escrevem. Na hora do julgamento, aparecem para
entregar memoriais que eles nem sequer escreveram. Quase sempre é só lobby.
Como
corregedora, o que a senhora pretende fazer?
Nós,
magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos. Isso faz com que o
juiz se ache um super-homem decidindo a vida alheia. Nossa roupa tem renda,
botão, cinturão, fivela, uma mangona, uma camisa por dentro com gola de ponta
virada. Não pode. Essas togas, essas vestes talares, essa prática de entrar em
fila indiana, tudo isso faz com que a gente fique cada vez mais inflado. Precisamos
ter cuidado para ter práticas de humildade dentro do Judiciário. É preciso acabar com
essa doença que é a “juizite”.
Com a aposentadoria antecipada da ministra Ellen Gracie e mais as de dois ministros no ano que vem, Carlos Ayres Brito e Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal (STF) terá nove dos seus integrantes que terão sido indicados por Lula (seis) ou Dilma Rousseff (três), sobrando apenas Celso de Mello, que foi indicado pelo então presidente José Sarney, e Marco Aurélio Mello, indicado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello. No raciocínio da presidente do CNJ, teremos um STF de maioria 'petista'.
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