Pagar Imposto de Renda faz você se sentir assaltado e também assaltante de si mesmo
- Há algum tempo somente era possível
ler artigos de Cora Rónai num caderno semanal de informática que o jornal ‘O
Globo’ às segundas-feiras. O caderno acabou, mas ela continuou escrevendo no
jornal, e sobre vários assuntos. Ontem ela estava inspiradíssima e começou seu
artigo assim: “Hoje eu queria escrever uma crônica bem levinha, que deixasse todo
mundo de bom humor, mas está difícil. Passei as últimas horas às voltas com o
Imposto de Renda, e tive o desgosto de constatar que um terço do que ganho vai
para o governo. Como todo mundo, eu também já sabia disso, mas uma coisa é
encontrar descontos mensais no contracheque, e outra, bem diferente, é ver ali,
na tela, o total que mando para Brasília. Claro que aí não estão incluídos
outros impostos, como o ISS ou o famigerado ICMS, que levam boa parte do que
gasto. A sorte é que não sou boa de matemática e não sei calcular quanto isso
dá por ano, ou corria o risco de ficar seriamente deprimida ao descobrir que,
na minha conta, entra menos da metade do que recebo”;
-
Prosseguindo, Cona Rónai continuou ‘amaldiçoando’ o IR e, de modo bastante
irônico mau mais essa: “O que me consola é saber que este dinheiro
todo será empregado de forma séria e judiciosa, garantindo aos brasileiros bons
serviços, boa educação e um sistema de saúde próximo da perfeição, conforme
constatou o ex-presidente Lula (antes de ir se tratar num hospital particular,
mas isso são outros quinhentos). Fico reconfortada em saber que estou
contribuindo para que se paguem salários de R$ 15 mil para os cidadãos que
servem cafezinho no Congresso, o que é sinal de que somos um país rico e
poderoso: assim mostramos à península escandinava do que somos capazes. Toma,
Noruega!”;
- Em seu artigo, Cora continua
mandando ver, quando comenta sobre o que ganham nossos parlamentares, e parte
outra vez para a ironia: “Quando eu morava em Brasília, me explicaram
que é muito importante que os homens públicos tenham excelentes salários para
que não caiam na tentação de se corromperem. Foi bom ter aprendido isso, caso
contrário eu poderia fazer mau juízo deles. Já pagar a aposentadoria da Roseana
Sarney não chega a ser uma alegria, mas reconheço que ela fez por merecer.
Afinal, trabalhou seis anos inteiros no Congresso, naquele ambiente que é,
notoriamente, o lugar mais podre do país”;
- Mais adiante, ela vai mais longe, quando se declara que, por causa do Imposto
de Renda, se sente como assaltada, mas também como assaltante de si mesma,
quando narra: “Uma vez fui assaltada a mão armada. Um marginal tão marginal que
poderia interpretar marginais no cinema levou as nossas bolsas, enquanto seus
comparsas limpavam os cidadãos e os carros vizinhos. A sensação de impotência
foi horrível: o que se pode fazer diante de uma arma? Pois apesar de estar em
casa, em suposta segurança, a sensação que tive ao preencher a declaração de
imposto de renda foi pior. O assalto é um ato completo em si mesmo. Ele não
depende de nós e, com alguma sorte, não se repete. Não vemos o destino do nosso
dinheiro e, com o tempo, esquecemos o que nos levaram”;
- Por fim, Cora Rónai despacha toda
sua crítica sobre tudo isso afirmando: “Preencher a declaração de imposto de renda,
porém, é uma violência que praticamos contra nós mesmos, como se fossemos
simultaneamente assaltante e assaltado: apontamos a arma para as nossas
próprias cabeças indignadas e fazemos a limpa. Não temos outra opção. Temos que
juntar uma papelada seiscentista e perder um tempo precioso, informando ao
governo quanto ele pode levar: “Olhaí, seu ladrão, nessa bolsa tem duzentas
pratas, ticket de refeição, um talão de cheques, dois cartões de crédito,
óculos Rayban...” Com a agravante de que, se não praticarmos o assalto muito
bem assaltado, ainda corremos risco de levar multa e sermos ainda mais
depenados”.
- O melhor de tudo é quando ela diz: "Apenas me sinto otária — muito otária! — em pagar impostos suecos por serviços dignos do Afeganistão". Mas pior é que Cora Rónai está certíssima.
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