- Transcrevo a seguir, com o título acima, interessante artigo de Dijaci David de Oliveira, doutor em Sociologia e professor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Federal de Goiás (UFG), que trata de assunto ainda muito polêmico no Brasil:
A instituição de sistema de cotas na
última década tem produzido fortes debates. Mas isso nem sempre foi assim.
Neste ano, uma das primeiras leis instituindo cotas na educação pública brasileira
completa 44 anos. Trata-se da Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968, mais
conhecida como a “Lei do boi”.
De forma mais abrangente a lei
assegurava reserva de vagas tanto no ensino médio quanto em instituições
superiores. Ainda, conforme a lei, 50% das vagas nos estabelecimentos de ensino
médio agrícola e nas escolas superiores de agricultura e veterinária mantidos
pela União ficariam disponíveis para atender às demandas de formação específica
para alguns segmentos sociais.
Embora afirmasse que as vagas se
destinavam para os filhos de proprietários e não proprietários rurais, ninguém
precisa ser um especialista em sociologia rural para saber que os beneficiários
da lei foram apenas os filhos da elite rural. A razão é muito simples. Se,
ainda hoje, a agricultura de subsistência demanda o trabalho de todos os
membros da família, pais e filhos, para garantir sua sobrevivência, há quatro
décadas a situação não era melhor.
A Lei do boi foi revogada em 1985,
portanto, 17 anos após a sua criação. Todavia existem boas razões para
questioná-la. A primeira é que a Lei do boi, ao desconsiderar as condições
sociais dos filhos dos camponeses, atendia apenas aos filhos da elite rural.
Segundo, se propunha ao estabelecer uma política permanente, ou seja, sem
previsão de término.
Muito diferente das proposições atuais,
a Lei do boi não atendia aos princípios de justiça reparatória e de busca de
equidade. Isso porque não se propunha a eliminar distorções sociais que ainda
hoje condenam gerações inteiras de famílias a nascerem e morrerem nos
gradientes mais baixos da hierarquia social.
Como a Lei do boi atendia aos interesses
da elite rural, o questionamento foi infinitamente menor. Sua legalidade só foi
objeto de debate após anos de existência e só caiu porque se reconheceu que os
filhos de camponeses não eram beneficiados. Portanto, apenas reproduzia e
reforçava a desigualdade social.
As leis atuais, muito diferentes da Lei
do boi, pretendem reduzir as fortes distorções que vêm sendo perpetuadas ao
longo de séculos. Negros libertos não tiveram acesso a educação pública,
moradia nem trabalho assalariado. Mesmo os brasileiros só ganharam status de
cidadãos no governo de Getúlio Vargas, porque os países europeus proibiram a
saída de migrantes devido à escassez de mão de obra produzida pelas duas
Guerras Mundiais.
Apesar do histórico da desigualdade
brasileira, muitos ainda tentam nos convencer de que é preciso “esperar” a
melhoria da escola pública. Contudo essa promessa vem de longa data. Aliás,
muito semelhante à ideia de “esperar o bolo crescer, para depois repartir”.
Diante de promessas de cumprimento improvável, seguramente é melhor apostar em
uma proposição concreta de implantação de uma política de cotas, para que daqui
a dez anos não precisemos mais dela, e cobrar ao mesmo tempo uma política
sistemática de melhoria real da escola pública. Sem isso, ano após ano, a
desigualdade nos perseguirá.
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