- Com o título acima, tanscrevo na íntegra artigo da advogada Maritânia Dallagnol, especializada em Direito Eleitoral, que tem muito a ver com o momento político que o Brasil está vivendo em face da proximidade das eleições municipais de 7 de outubro:
O legislador preocupou-se em discriminar as principais vertentes de poder, elegendo o poder econômico, político e da comunicação social como os principais focos de disseminação de abuso com potencialidade lesiva e real capacidade de incidência nos processos eleitorais.
A Lei Eleitoral criou normas de controle dos veículos de comunicação social reconhecendo sua potencialidade lesiva, especialmente pela veloz propagação e alcance de suas transmissões. Além disso, o emprego de mensagens subliminares é capaz de influenciar a vontade do eleitor. Desde dia 1 de julho e até a data da eleição, são vedadas às emissoras de rádio e televisão a divulgação de entrevistas jornalísticas ou programas que, de alguma forma, possam configurar benefício a um ou outro candidato ou caracterizar tratamento privilegiado, seja por meio de manifestações de apoio ou pela propaganda negativa.
O abuso do poder econômico em definição sintética dada pelo Tribunal Superior Eleitoral se refere “à utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos, que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições.”
O abuso do poder político, por sua vez, estará caracterizado sempre que o agente público se utilizar do cargo ou função com desvio de finalidade, visando obter vantagem eleitoral para si ou para terceiros, desequilibrando o pleito.
A ação corrosiva do abuso do poder, não raras vezes, conduz ao comando do Executivo ou a ocupação de cadeiras nos parlamentos representantes vinculados a interesses de grupos econômicos, dos quais se tornam reféns, em maior ou menor escala.
As práticas abusivas, geralmente, se apresentam de forma oblíqua, sorrateira, escudadas em atos ilícitos, levadas a efeito diretamente pelo interessado ou por terceiros a seu mando, ou, de forma subliminar, induzindo o eleitor a optar por determinado candidato. É comum o entrelaçamento das práticas abusivas, numa imbricação de interesses onde se revela a utilização do poder político e do poder econômico para a distribuição de benesses de toda ordem às vésperas do pleito, o financiamento indireto de propaganda eleitoral ou a utilização dos programas sociais e da máquina administrativa, ferindo os princípios basilares do jogo democrático.
A fim de conter a ação perniciosa e abusiva do poder, a Lei Complementar 64, de 1990, modificada pela LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa) estabeleceu procedimento no qual os partidos, coligações, candidatos e o Ministério Público poderão requerer a apuração dos fatos. A procedência de ação por abuso de poder conduz a declaração de inelegibilidade dos envolvidos por oito anos e, ainda, a cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado.
A contenção do abuso do poder econômico, comum nas campanhas eleitorais, é de tal modo fundamental para o fortalecimento das instituições democráticas e da legitimidade das eleições que a própria Constituição Federal estabeleceu a possibilidade de impugnação do mandato eletivo, obtido mediante abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, em ação movida perante a Justiça Eleitoral, em até 15 dias após a diplomação (CF Art. 14, §10).
O aperfeiçoamento da democracia brasileira, é inegável, carece de uma reforma política que corrija as distorções do sistema político de representação e que estabeleça limites ao financiamento privado das campanhas eleitorais. Da mesma forma, se impõe o enfrentamento de temas como a injustiça social, urbana e rural, que coloca milhões de pessoas em estado de vulnerabilidade e que favorece a ação abusiva dos detentores do poder, bem como a regulação e democratização das comunicações (grande parte das concessões de rádio e televisão pertencem a deputados, senadores e grupos políticos tradicionais).
Enquanto avançamos na consolidação democrática, a utilização dos mecanismos legais de contenção do abuso de poder, com ação fiscalizatória dos partidos, candidatos e Ministério Público, bem como pela atuação da Justiça Eleitoral, contribui para a garantia da legitimidade do processo eleitoral de escolha dos governantes.
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