As dez medidas contra a corrupção
- Depois de muita protelação do partidos e de parlamentares cheios de "pepinos" na Justiça, foi instalada ontem na Câmara dos Deputados a comissão que vai analisar as propostas do Ministério Público Federal (MPF) com as dez medidas para o combate à corrupção e à impunidade. Imediatamente foram eleitos o presidente, Joaquim Passarinho (PSD-PA); o vice-presidente, Alexandre Tefiotis (PMDB-RJ); e o relator, Onyx Lorenzoni (DEM-RS). As propostas são provenientes de um projeto de iniciativa popular, que dependias de um milhão de assinaturas mas que ultrapassou um total de mais de dois milhões e que foi protocolada em março deste ano, mas que só teve a comissão instituída em 14 de junho;
- Os trabalhos da comissão de 30 membros começarão efetivamente no dia 2 de agosto, quando será organizada a pauta dos trabalhos e votados requerimentos, já sendo certo que haverá pedidos para o comparecimento do juiz Sérgio Moro, dos promotores do Ministério Público de São Paulo, que chegaram a pedir a prisão do ex-presidente Lula, além dos ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e Carlos Ayres de Brito, bem como procuradores do MPF de Curitiba que atuam da Operação Lava-Jato. O relator Onix Lorenzoni enfatizou: "Um projeto que chega à Câmara com mais de 2 milhões de assinaturas deve ser tratado com extremo respeito";
- As medidas propostas são as seguintes:
- 1) Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação
- Para prevenir a corrupção, o MPF sugere a possibilidade da realização de testes de
integridade, isto é, a “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou
empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes
contra a Administração Pública”. A realização desses testes é incentivada pela Transparência
Internacional e pela Organização das Nações Unidas (ONU) e é um exemplo de sucesso em
alguns lugares do mundo.
Outra proposta é o investimento de um percentual entre 10% e 20% dos recursos de
publicidade dos entes da Administração Pública em ações e programas de marketing voltados
a estabelecer uma cultura de intolerância à corrupção, conscientizar a população dos danos
sociais e individuais causados por ela, angariar apoio público para medidas contra corrupção
e reportar esse crime. Propõe-se também o treinamento reiterado de todos os funcionários
públicos em posturas e procedimentos contra a corrupção, o estabelecimento de códigos de
ética claros, adaptados para cada carreira, e a realização de programas de conscientização e
pesquisas em escolas e universidades.
Para estimular a denúncia de casos de corrupção, o Ministério Público propõe a garantia de
sigilo da fonte, com a ressalva de que ninguém pode ser condenado apenas com base na
palavra de informante confidencial. Prevê-se ainda a possibilidade de ser revelada a
identidade do informante se ele fizer denúncias falsas.
Por fim, propõe-se a obrigação de o Judiciário e o Ministério Público prestarem contas da
duração dos processos em seus escaninhos, formulando propostas quando seu trâmite
demorar mais do que marcos propostos de duração razoável de processos (gatilho de
eficiência);
- 2) Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos
- A dificuldade de provar a corrupção garante a impunidade e incentiva o comportamento
corrupto. A criminalização do enriquecimento ilícito garante que o agente não fique impune
mesmo quando não for possível descobrir ou comprovar quais foram os atos específicos de
corrupção praticados;
- A medida 2 propõe a tipificação do enriquecimento ilícito, com penas de três a oito anos,
mas passíveis de substituição no caso de delitos menos graves. O ônus de provar a existência
de renda discrepante da fortuna acumulada é da acusação. Se a investigação ou o acusado
forem capazes de suscitar dúvida razoável quanto à ilicitude da renda, será caso de
absolvição;
- 3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores
- É extremamente difícil descobrir o crime de corrupção e, quando isso ocorre, é mais difícil
ainda prová-lo. Mesmo quando há provas, pode não se conseguir uma condenação em virtude
de questões processuais como nulidades. Ainda que se descubra, prove e alcance uma
condenação, a chance de prescrição é real, o que pode ensejar absoluta impunidade. Por fim,
quando a pena é aplicada, ela é normalmente inferior a quatro anos e é perdoada, por decreto
anual de indulto, depois do cumprimento de apenas um quarto dela. A corrupção é hoje,
portanto, um crime de alto benefício e baixo risco, o que pode incentivar sua prática. A medida 3 transforma a corrupção em um crime de alto risco no tocante à quantidade da
punição, aumentando também a probabilidade de aplicação da pena por diminuir a chance de
prescrição.
Com as alterações, as penas, que hoje são de 2 a 12 anos, passam a ser de 4 a 12 anos,
lembrando que, no Brasil, as penas de réus de colarinho branco ficam próximas ao patamar
mínimo. Com isso, a prática do crime passa a implicar, no mínimo, prisão em regime
semiaberto. Esse aumento da pena também amplia o prazo prescricional que, quando a pena
supera 4 anos, passa a ser de 12 anos. Além disso, a pena é escalonada segundo o valor
envolvido na corrupção, podendo variar entre 12 e 25 anos, quando os valores desviados
ultrapassam R$ 8 milhões. Essa pena é ainda inferior àquela do homicídio qualificado, mas é
bem maior do que a atual. A corrupção mata, como decorrência do cerceamento de direitos
essenciais, como segurança, saúde, educação e saneamento básico. Por isso, a referência
punitiva da corrupção de altos valores passa a ser a pena do homicídio. Por fim, a corrupção
envolvendo valores superiores a cem salários mínimos passa a ser considerada crime
hediondo, não cabendo, dentre outros benefícios, o perdão da pena, integral ou parcial
(indulto ou comutação);
- 4) Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal
- É comum que processos envolvendo crimes graves e complexos, praticados por réus de
colarinho branco, demorem mais de 15 anos em tribunais após a condenação, pois as defesas
empregam estratégias protelatórias. Além de poder acarretar prescrição, essa demora cria
um ambiente de impunidade, que estimula a prática de crimes. Com o objetivo de contribuir
com a celeridade na tramitação de recursos sem prejudicar o direito de defesa, a medida 4
propõe 11 alterações pontuais do Código de Processo Penal (CPP) e uma emenda
constitucional.
Essas alterações incluem a possibilidade de execução imediata da condenação quando o
tribunal reconhece abuso do direito de recorrer; a revogação dos embargos infringentes e de
nulidade; a extinção da figura do revisor; a vedação dos embargos de declaração de embargos
de declaração; a simultaneidade do julgamento dos recursos especiais e extraordinários;
novas regras para habeas corpus; e a possibilidade de execução provisória da pena após
julgamento de mérito do caso por tribunal de apelação, conforme acontece em inúmeros
países;
- 5) Celeridade nas ações de improbidade administrativa
- A medida 5 propõe três alterações na Lei nº 8.429/92, de 2 de junho de 1992. A fase inicial
das ações de improbidade administrativa pode ser agilizada com a adoção de uma defesa
inicial única (hoje ela é duplicada), após a qual o juiz poderá exinguir a ação caso seja
infundada. Além disso, sugere-se a criação de varas, câmaras e turmas especializadas para
julgar ações de improbidade administrativa e ações decorrentes da lei anticorrupção. Por fim,
propõe-se que o MPF firme acordos de leniência, como já ocorre no âmbito penal (acordos de
colaboração), para fins de investigação;
- 6) Reforma no sistema de prescrição penal
- A medida 6 promove alterações em artigos do Código Penal que regem o sistema
prescricional, com o objetivo de corrigir distorções do sistema. As mudanças envolvem a
ampliação dos prazos da prescrição da pretensão executória e a extinção da prescrição
retroativa (instituto que só existe no Brasil e que estimula táticas protelatórias).
O MPF propõe ainda que a contagem do prazo da prescrição da pretensão executória comece
a contar do trânsito em julgado para todas as partes, e não apenas para a acusação, como é
hoje. Além disso, são sugeridas alterações para evitar que o prazo para prescrição continue
correndo enquanto há pendências de julgamento de recursos especiais e extraordinários. As
prescrições também podem ser interrompidas por decisões posteriores à sentença e por
recursos da acusação, solicitando prioridade ao caso;
- 7) Ajustes nas nulidades penais
- A medida 7 propõe uma série de alterações no capítulo de nulidades do Código de Processo
Penal. Os objetivos são ampliar a preclusão de alegações de nulidade; condicionar a
superação de preclusões à interrupção da prescrição a partir do momento em que a parte
deveria ter alegado o defeito e se omitiu; estabelecer, como dever do juiz e das partes, o
aproveitamento máximo dos atos processuais e exigir a demonstração, pelas partes, do
prejuízo gerado por um defeito processual à luz de circunstâncias concretas.
Além disso, sugere-se a inserção de novos parágrafos para acrescentar causas de exclusão de
ilicitude previstas no Direito norte-americano, país de forte tradição democrática de onde foi
importada nossa doutrina da exclusão da prova ilícita (exclusionary rule). Essas mudanças
objetivam reservar os casos de anulação e exclusão da prova para quando houver uma
violação real de direitos do réu e a exclusão cumprir seu fim, que é incentivar um
comportamento correto da Administração Pública;
- 8) Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2
- A medida 8 propõe a responsabilização objetiva dos partidos políticos em relação a práticas
corruptas, a criminalização da contabilidade paralela (caixa 2) e a criminalização eleitoral da
lavagem de dinheiro oriundo de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação
eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação;
- 9) Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado
- A medida 9 propõe a criação da hipótese de prisão extraordinária para permitir a
identificação e a localização ou assegurar a devolução do produto e proveito do crime ou seu
equivalente, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do
investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes
ou enquanto estiverem sendo implementadas. Além disso, a medida 9 propõe mudanças
para que o dinheiro sujo seja rastreado mais rapidamente, facilitando tanto as investigações
como o bloqueio de bens obtidos ilicitamente;
- 10) Recuperação do lucro derivado do crime
- A medida 10 traz duas inovações legislativas que fecham brechas na lei para evitar que o
criminoso alcance vantagens indevidas. A primeira delas é a criação do confisco alargado, que
permite que se dê perdimento à diferença entre o patrimônio de origem comprovadamente
lícita e o patrimônio total da pessoa condenada definitivamente pela prática de crimes
graves, como aqueles contra a Administração Pública e tráfico de drogas. A segunda inovação
é a ação civil de extinção de domínio, que possibilita dar perdimento a bens de origem ilícita
independentemente da responsabilização do autor dos fatos ilícitos, que pode não ser punido
por não ser descoberto, por falecer ou em decorrência de prescrição;
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