- A carta a seguir
transcrita é do advogado Gabriel Padilha, publicada na edição de ‘O Globo’ da
última sexta-feira. Vale a pena ler e medir a dor dos pais dos mortos na
tragédia de Santa Maria:
“Prezado senhor
Eduardo Paes, como está a situação das boates da cidade que o senhor
administra? Conheço, por fora, uma boa quantidade delas. Levo e busco minhas
duas filhas, gêmeas de 18 anos, nas baladas. Não sou porta-voz de pais de
jovens, mas creio traduzir o sentimento da maioria deles. Confesso que estou em
pânico. Acredito que uma boa quantidade dessas boates é urna ratoeira igual a
Kiss de Santa Maria (RS).
Diante de tanta dor vinda do Sul, sei exatamente como se sentem as centenas de
pais que perderam seus filhos naquela tragédia. Estão devastados. Sei como
estarão daqui a seis anos, Amputados de um pedaço de si. Sei porque no dia 3 de
setembro de 2006, perdi minha filha, então com 17 anos. Foi na Tragédia da
Lagoa. Relembro aquele desastre de automóvel no qual morreram os cinco jovens
que estavam no carro dirigido em alta velocidade pelo motorista alcoolizado.
Voltavam de urna festa. Levo flores e visito sempre, as margens da Lagoa, a
árvore que interrompeu os sonhos da minha filha. Não tenho dúvida que esse fato
contribuiu para a criação da Lei Seca, que hoje salva vidas.
Enterrar um filho é a única dor que não tem fim. Seus pais sabem disso, senhor
prefeito. Acho que todos os comandantes bombeiros das cidades do pais e aqueles
encarregados de fiscalizar a segurança das boates deveriam estar agora em Santa
Maria, ouvindo o choro desesperado e a revolta daqueles pais. Ficariam surdos
com os gritos, muitos deles silenciosos.
Mas, voltando à nossa cidade, não seria vital uma vistoria rigorosa em todas as
boates? Como não posso proibir minhas filhas de viverem sua juventude, também
não gostaria de ser obrigado a fornecer a elas um kit-sobrevivência: máscara
contra gases tóxicos, lanterna, um extintor portátil e urna picareta para
romper paredes. Não caberia na bolsa.
Mais fácil seria o poder público exercer com rigor aquilo que lhe compete:
fiscalizar o cumprimento das exigências de segurança, lacrar boates em
desacordo e ate fechar se for preciso. O que não podemos é sentir medo, ou
mais, terror, que nossos filhos não voltem por culpa da ganância de empresários
e pelo descaso e leniência do estado,
Já vivi isso quando encontrei minha filha sob um plástico preto, ao lado de um
carro destruído. Sei que "Viver é muito perigoso', escreveu Graciliano
Ramos, mas podemos minimizar isso procurando ser corretos e exercendo com rigor
o que nos compete. Em respeito a memória dos mais de 200 jovens e a dor de seus
pais, ninguém deve dizer que aquela tragédia foi urna fatalidade. Foi desprezo
pela vida humana.
Caro prefeito, quero crer que o senhor já deve estar tomando suas providências,
afinal, o senhor é um homem de ação. Mas nós, pais, precisamos ter a certeza de
que o rigor no cumprimento das normas de segurança será aplicado em cada casa
noturna e que essa fiscalização não será passageira, apenas enquanto durarem na
mídia as dolorosas imagens de Santa Maria”.